sábado, 15 de janeiro de 2011

Este povo não presta!

Por Luís Manuel Cunha, Professor
Acabava de entrar o ano de 1872. E o novo ano que chegava interrogava o ano velho. "-Fale-me agora do povo", pedia o novo ano. E o velho: "-Ê um boi que em Portugal se julga um animal muito livre, porque lhe não montam na anca; e o desgraçado não se lembra da canga!"." - Mas esse povo nunca se revolta?", insistia o ano novo, espantado. E respondia o velho:"- O povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria, nunca". E uma derradeira questão:"- Em resumo, qual é a sua opinião sobre Portugal?". E a resposta lapidar do ano velho:"- Um país geralmente corrompido, em que aqueles mesmos que sofrem não se indignam por sofrer." Este diálogo deve-se a Eça de Queirós. O mesmo Eça que escreveu sobre o Portugal de então: "O povo paga e reza. Paga para ter minis­tros que não governam, deputados que não legislam (...) epadres que rezam contra ele. (...) Paga tudo, paga para tudo. E em recompensa, dão-lhe uma farsa." Estávamos, repito, em 1872.
Estamos obviamente a falar do povo português. Esta "raça abjecta" conge­nitamente incapaz de que falava Oli­veira Martins. Este povo cretinizado, obtuso, que se arrasta submisso, sem um lamento, sem um queixume, sem um gesto de insubmissão, tão pouco de indignação e muito menos de revolta. Um povo que se deixa conduzir passivamente por mentiro­sos compulsivos como Sócrates ou Passos Coelho ou por inutilidades ignorantes como Cavaco Silva, não merece mais que um gesto de comi­seração e de desdém. É vê-los nas televisões, por exemplo. Filas e filas de gente acomodada, cabisbaixa, servil, absurdamente resignada, a pagar as estradas que a charlatanice dos políticos tinha jurado "que se pagavam a si mesmas"! Sem qual­quer tipo de pejo e com indisferçável escárnio, o Estado obriga-os a longas filas de espera para conseguirem comprar e pagar o aparelho que lhes vai possibilitar a única forma de pagar as portagens que essa corja de aldrabões agora no poder, se lembrou de inventar! E eles passam a noite inteira à espera, se preciso for. E lá vão depois, bovinamente, de chapéu na mão, a mendigar a senha redentora que lhes dará o "privilégio de serem esbulhados electrónica e quotidianamente pelo Estado". Um povo assim não presta, não passa de uma amálgama amorfa de cobardes. Porque, se esta gentinha "os tivesse no sítio", recusar-se-ia massivamente a pagar as portagens. E isso seria o suficiente para que os planos governamentais ruíssem como um castelo de cartas. Mas não. Esta gente come e cala. Leva porrada e agradece. E a escumalha de medíocres que detém o poder, rejubila e escarnece desta populaça amodorrada e crassa que paga o que eles quiserem quando e como eles o definirem. Sem um espirro de protesto, sem um acto de revolta violenta, se preciso for. Pelo contrá­rio. Paga tudo, paga para tudo. Sem rebuço, dóceis, de chapéu na mão, agradecidos e reverentes, como o poder tanto gosta. E demonstram-no publicamente, disso fazendo gala. Como eu vi, envergonhado, a imagem de um homenzinho ostentando um sorriso desdentado e exibindo perante as câmaras da TV o aparelhinho que acabara de pagar, como se tivesse ganho uma medalha olímpica.
Esta multidão anestesiada espelha claramente o país que somos e que, irremediavelmente, continuaremos a ser - um país estúpido, pequeno e desgraçado. O "sitio" de que falava Eça, a "piolheira" a que se referia o rei D. Carlos. "Governado" pelas palavras "sábias" de Alípio Severo, o Conde de Abranhos, essa extraor­dinariamente actual criação queiro-siana, que reflecte bem o segredo das democracias constitucionais. Dizia o Conde: "Eu, que sou governo, fraco mais hábil, dou aparentemente a soberania ao povo. Mas como a falta de educação o mantém na imbecili­dade e o adormecimento da cons­ciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito..." Nem mais. Eis aqui o segredo da governação. A ilustra­ção perfeita com que o rei D. Carlos nos definia há mais de um século: "Um país de bananas governado por sacanas". Ontem como hoje. O verdadeiro esplendor de Portugal.
JORNAL DE BARCELOS – 27.10.2010

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